HOLOCAUSTOS COLONIAIS: MIKE DAVIS E SUAS IMPLICAÇÕES GEOGRÁFICAS

Autores

  • Bruno José Rodrigues Frank

Resumo

Nesta resenha pretende-se analisar o livro de Mike Davis intitulado “Holocaustos coloniais”, resumindo seus pontos principais e tecendo alguns comentários acerca de suas implicações no entendimento geográfico. A obra tenta resgatar uma história pouco lembrada pelos historiadores modernos a respeito dos desastres de Magnitude planetária das fomes de 1876 a 1899 e de como as secas sincrônicas resultantes de “maciços deslocamentos na localização sazonal dos principais sistemas de tempo tropical” (p.23) serviram como fomento das potências imperiais, com o objetivo de expandir e consolidar seu domínio. Trata-se, nos dizeres do autor, de uma Ecologia Política da fome, com base na história ambiental e da economia política marxista, sendo uma corologia das histórias de subsistência que demonstra com grande maestria, interligando os fenômenos em escala planetária.Grande parte dessas calamidades decorreu em parte pela desestruturação dos sistemas nativos de organização e dos sistemas tradicionais de colheita e irrigação em parte pela inserção destes no mercado mundial a partir do século XIX. O autor constrói uma relação causal entre os preços de grãos, as atividades das monções, principalmente na Índia e da importância dessas para a segurança alimentar. Narra uma história em que os camponeses ora viam-se sufocados por impostos imperiais, ora por politicas de racionamento de comida, lutando para equacionarem sua sobrevivência, visto que incorporados ao mercado internacional, não tinham condições de competir em igualdade com os consumidores europeus. Davis fala em três engrenagens propulsoras da fome que são explicitadas no decorrer de seu livro, e podem ser resumidas da seguinte forma: econômicas (ciclos de Kontradieff e suas ondas longas); climáticas (Bjerknes e as oscilações do El Niño) e históricas (Novo Imperialismo e a expansão colonial).O livro é divido em quatro partes das quais resumiremos os pontos principais. As duas primeiras realizam uma cronografia histórica dos anos pré-seca, assim como das políticas que avassalaram os países, sob a batuta do imperialismo Vitoriano. Aborda as transformações das condições de trabalho e de como as oscilações no mercado internacional dizimaram milhares de pessoas e a suas relações com os movimentos milenaristas do final do séc. XIX. A terceira é dedicada a as questões climáticas, desvendando as alterações que deram origem aos fenômenos de El Niño, sua periodicidade e como estão teleconectadas às chuvas e às secas sincrônicas. Por fim a última parte, que leva o nome do mote principal de Davis, “A Ecologia Política da fome” visa a transplantar as correlações entre clima, história e economia para uma interpretação das marcas deixadas pelos fenômenos na estrutura social e politica dos povos afetados pelos desastres ambientais e pelas politicas aplicadas nos anos de seca/fome. Podemos realizar três observações básicas do livro de Mike Davis. A primeira coloca maior ênfase na questão do livre-mercado em conjugação com os fatores climáticos e o imperialismo da era Vitoriana. A segunda inverte a ordem desses fatores, colocando justamente, como os fatores climáticos moldam as politicas nacionais. E em terceiro lugar viria o oportunismo das potências imperiais em aproveitar os espaços deixados pelas desordens ambientais e climáticas, muitas vezes por elas aprofundadas.  Não era por sua vez, o livre mercado apregoado pela “teoria” como um todo, e sim uma ideologia sustentada por este, mas impregnada por interesses estratégicos das potências coloniais que agiam muito mais no sentido de justificar certas ações do que realmente prover um livre-mercado real, como bem demonstram a insensatez e a hipocrisia dos administradores da Índia Colonial em impedirem as organizações locais de um mercado de preços de grãos mais baixos, ou de providenciar a própria independência financeira da colônia, ou nas palavras do autor “(...) as políticas britânicas por mais Smithianas que fossem na intenção, em geral eram hobbesianas na prática” (DAVIS 2002, p.350).Com base nessas observações, podemos incluir a questão da alteração dos modos de vida advinda da introdução de elementos organizacionais externos e da rapidez e brutalidade com que esses foram modificados. A importação de valores e formas organizacionais suplantou a capacidade das sociedades em resistir e responder as secas. O esfacelamento gradual do tecido social, aliadas a uma lógica cruel de livre-mercado e as lentes Malthusianas dos governantes carregaram o lado sombrio e bárbaro do “processo Civilizatório”. Daí a belíssima ligação que faz com as revoltas milenaristas, ou seja, o desejo do retorno a uma ordem idealizada como menos perene à seca/fome. Os silos “sempre normais” do século XVIII, a agricultura na Índia pré-britânica, assim como a capacidade de organização de Canudos em reposta à Grande Seca se tornam extremamente plausíveis ao entendermos a situação anterior e a posterior ao início dos impérios coloniais.O que existe de mais geográfico em sua obra, é a forma como o autor alia a natureza aos contextos históricos de expansão colonial, levando em consideração os efeitos climáticos em uma escala global, e partindo das particularidades de cada região afetada pela seca, constrói um panorama e um mecanismo geral de como germinaram as catástrofes, abrangendo períodos que as antecedem. A maneira como analisa a desestruturação da produção no campo e a introdução do assalariamento é particularmente brilhante.

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Publicado

10-02-2015

Como Citar

FRANK, Bruno José Rodrigues. HOLOCAUSTOS COLONIAIS: MIKE DAVIS E SUAS IMPLICAÇÕES GEOGRÁFICAS. AKRÓPOLIS - Revista de Ciências Humanas da UNIPAR, [S. l.], v. 20, n. 4, 2015. Disponível em: https://unipar.openjournalsolutions.com.br/index.php/akropolis/article/view/4884. Acesso em: 21 dez. 2024.

Edição

Seção

Resenhas